Por Yopanan C. P. Rebello (Professor da YCON)
Todos nós, com certeza, temos uma idéia mais ou menos clara do que seja uma estrutura. Muitos sabem projetar e até dimensionar, dentro dos parâmetros estabelecidos pelo conhecimento técnico e científico vigente, mas poucos se preocupam com um estudo mais profundo da relação harmoniosa que deve existir entre os espaços arquitetônicos e as estruturas resultantes das necessidades estáticas da estabilização desses espaços.
As idéias que exponho aqui não são resultado apenas de meu trabalho ao longo desses 33 anos de atividade como engenheiro de estruturas e professor de sistemas estruturais em escolas de arquitetura, são idéias também compartilhadas por outros autores. Quero deixar claro que minha postura não é de fornecer respostas prontas, mas de colocar questões que considero relevantes e que muitas vezes passam despercebidas na articulação entre projetos de arquitetura e estrutura.
Pretendo nesta série de artigos colocar para discussão algumas questões que envolvem o processo de criação do projeto de arquitetura e de estrutura. São questões que por se apresentarem aparentemente menores passam despercebidas. Acredito que se bem observadas podem levar a uma melhor conscientização e controle do processo de criação, beneficiando o resultado final: o projeto da edificação.
Como conceituar estrutura.
Em primeiro lugar é preciso libertar-se da idéia pré-concebida de estrutura como esqueleto que sustenta a edificação. Esta idéia relega a estrutura à única e, porque não dizer, ingrata função de um mal necessário, algo desprovido de criatividade e, com certa ponta de preconceito, ser colocada como “coisa de engenheiro”. O conceito de estrutura é bem mais amplo e extrapola os limites das áreas da engenharia e arquitetura. A palavra estrutura é encontrada em todas as áreas do conhecimento humano.
Quem não ouviu falar em estrutura econômica, estrutura musical, estrutura viária, entre outras. Em todas essas situações estrutura representa a mesma coisa, ou seja: um conjunto de elementos que se interrelacionam para desempenhar uma função. Não será a estrutura musical um conjunto de elementos – notas musicais – que se interrelacionam – linha melódica – para desempenhar uma função – criar sons ?
Não é a estrutura viária um conjunto de elementos – ruas avenidas e praças – que se interrelacionam – rua chegando em rua, rua chegando em praça – para desempenhar uma função – o convívio social ? Com as estruturas dos edifícios também é assim: um conjunto de elementos – lajes, vigas e pilares – que se interrelacionam – lajes apoiando em vigas, vigas em pilares – para desempenhar uma função – criar um espaço para abrigar coisas ou pessoas. Essa aplicação do conceito de estrutura às mais diversas atividades humanas mostra que o conceito de estrutura é universal e não se restringe a “coisa de engenheiro”.
Estrutura está em tudo que nos rodeia, nas plantas, no ar, nas pessoas e nos edifícios, entre outras coisas. Nas atitudes mais corriqueiras, como a de se colocar um lápis sobre a mesa, estar-se-á, mesmo que inconscientemente, aplicando princípios físicos que envolvem a questão do equilíbrio. O próprio ser humano, em sua mais tenra idade, sem qualquer conhecimento sistematizado do comportamento das estruturas, “coloca de pé” uma das mais complexas estruturas – o corpo humano. A questão de equilíbrio, princípio fundamental das estruturas, é inerente não só ao ser humano como a toda natureza. E é principalmente na natureza que se encontra uma fonte inesgotável de inspiração estrutural e arquitetônica. A natureza procura resolver seus problemas estruturais e biológicos da forma mais bonita e econômica. Um galho de árvore revela os mesmos princípios físicos que se encontram em uma viga em balanço. Uma folha de palmeira ensina como dar resistência a cascas finas através de dobraduras, e assim por diante. Não se quer defender aqui que se deva sair por aí projetando edifícios com a forma de uma flor ou de um pássaro, mas que se procure deter um pouco em observar a natureza e aprender dela os princípios que possam ajudar a projetar edifícios que sendo racionais e econômicos não deixem de ser belos.
As funções da estrutura nas edificações.
À primeira vista pode parecer que a única e exclusiva função da estrutura em uma edificação é o de mantê-la estável. Ninguém constrói uma obra só para resistir, pois, senão, seria apenas um modelo de ensaio. Uma obra se constrói para muitas funções, como abrigar pessoas e objetos, agradar os sentidos de quem a vivencia e assim por diante. A função estática, a de esqueleto de sustentação é sempre percebida e valorizada, pois sem estrutura o edifício não se mantém. Outros aspectos, como a Influência nos cinco sentidos humanos, ou seja, no bem ou mal estar psicológico provocado pela opção por determinado material e sistema estrutural, são, freqüentemente, relegados a um segundo ou terceiro plano, quando não, esquecidos totalmente.
Por que alguém escolheria a madeira como opção de material para sua moradia? Seria pelo aspecto do material? Ou pela sua textura, cor, cheiro ou reminiscências evocadas? Provavelmente por algum ou mesmo por todos esses fatores. O que poderá provocar no dia-dia de uma pessoa o contato constante com vigas e pilares metálicos? Uma cobertura em abóbada sobre a cabeça de alguém, que prazeres ou tensões psicológicas irá provocar?
A colocação de poucos pilares, em locais muito amplos, pode tornar o ambiente desagradável. Pesquisas mostram que em espaços amplos as pessoas tendem a se reunir em torno de pilares e que a escassez desses pode se tornar incômoda. Esses aspectos da estrutura na composição dos espaços são poucos pensados na instante da concepção do projeto.
“O que é lógico e racional em estrutura não é necessariamente humanamente desejável” (Forrest Wilson). Normalmente o fator econômico, que pode ser traduzido em números é que define a escolha de um material ou sistema estrutural; mas, ainda assim, a relação do custo de uma opção e o benefício obtido dependerá sempre de argumentos extremamente subjetivos.
A opção por uma solução estrutural também deveria envolver a consciência de três instantes na história da obra: o seu passado, o seu presente e o seu futuro. O passado de uma obra compreende a escolha do material, a solução estrutural, sua construção e as relações dessas questões com os aspectos energéticos, ambientais e ecológicos. O presente da obra refere-se ao seu uso cotidiano, com os efeitos nos sentidos humanos, aqui já comentados. O futuro da obra refere-se à sua manutenção. De que vale uma solução de projeto que empregue um material e um sistema estrutural, corretamente escolhidos, quanto os aspectos de obtenção, execução, da agradável solução estática, do conforto dos espaços criados, se sua manutenção se tornar tão problemática que todas as vantagens prévias perdem significado?
Esse trinômio, obtenção, uso e manutenção, ou seja, passado, presente e futuro da obra, é sem dúvida, difícil de solucionar e nem se sabe se sempre tem solução, mas o importante é que ele seja levado em conta na hora da concepção do projeto.
A questão do presente da obra, ou seja, sua ocupação, tem sido, freqüentemente, foco de preocupação; a avaliação pós-ocupação é uma disciplina que já faz parte de cursos de graduação e pós-graduação de algumas universidades brasileiras e estrangeiras. Quanto ao passado da obra, algumas poucas experiências têm sido feitas na avaliação de custos energéticos e ecológicos de soluções estruturais e construtivas, mas ainda sem uma sistematização adequada. O mesmo ocorre quanto á questão do futuro da obra, ou seja, de sua manutenção, principalmente a preventiva.
Autor: Yopanan C. P. Rebello, Engenheiro Civil e Professor da YCON.