Projetar não é apenas realizar uma tarefa

Por Yopanan C. P. Rebello (Professor da YCON)

O projeto é a metáfora de um desejo, construída a partir de analogias criadas entre inspirações e transpirações.

Parece que hoje em dia muitos profissionais esqueceram o que é projetar. A falsa urgência, a pressa, considerada “a alma dos nossos negócios”, ajudou a descaracterizar o processo de projetar. Elaborar um projeto tornou-se o simples cumprimento de uma tarefa. Diga o que você quer e eu, no mais curto prazo, farei o que você quiser. Esse é o mote atual no meio profissional, seja de arquitetura como de engenharia.

Gostaria de desenvolver meu raciocínio comparando o projeto a um jogo, não a um jogo de azar, cujo resultado depende de sorte, o que não deve ser o caso de um projeto, mas de jogos como xadrez, futebol, voley, queimada, e amarelinhas, entre tantos outros, que todas as crianças saudáveis, e adultos também, devem ter jogado pelo menos uma vez. Jogos onde capacidade, habilidade e criatividade são valorizadas.

Como o próprio nome diz projetar é lançar a distância. O que, sem dúvida, já se torna por si só um jogo. No nosso caso, projetar é lançar um raciocínio na distância do tempo, é lançar uma idéia para o futuro.

Para projetar é necessário seguir regras. É principalmente neste aspecto que o projeto assemelha-se a um jogo. Mas, falar em regras pode desgostar muitas pessoas. Aquelas que não vêem com bons olhos a existência de regras, o que pode ser puro preconceito, pois é impossível pensar em algo que tenha consistência e que não tenha regras. O próprio caos tem regras, às vezes não muito aparentes. Muitos podem até não gostar de regras pré-estabelecidas, o que é muito bom, então, que criem outras, que no seu entender sejam melhores. O que não é possível é raciocinar sem regras.

O que faz muitas pessoas acharem que regras cerceiam a liberdade é a existência de regras ruins, mal pensadas e que não levam à possibilidade de criação. Existem regras boas e regras ruins. As regras boas conduzem ao belo, ao criativo, as ruins tornam a atividade feia e sem graça. Para mim o futebol inglês, o jogado aqui no Brasil, tem regras que deixam a competição mais bonita que as regras do futebol americano. Gosto das regras de educação, criam beleza, odeio as regras militares, criam a disciplina insana, o que, no meu entender, é muito feio.

Logo, participar de uma atividade que tem regras boas não prejudica em nada o resultado final, pelo contrário é através delas que se pode chegar a coisas novas e belas. Portanto é impossível realizar um projeto sem regras.

Outra situação em que o projeto se assemelha ao jogo é nas questões de ritmo, harmonia, nas dualidades de mudança e permanência, calma e tensão. E é exatamente nestas dualidades que se criam as mudanças de direções no raciocínio. É no raciocínio divergente que se dá o processo criativo; e divergir é um ato que está ligado à diversão, outra característica importante do jogo.

Por tudo isso é que o projeto não pode ser tratado como uma tarefa a ser cumprida, sem uma reflexão sobre as questões (regras) envolvidas, sem estratégias adequadas, sem treino, ou seja, sem o processo de tentativa e erro, que entre outras coisas boas faz aprender e, portanto, evoluir. Mas para que tudo isso seja feito da maneira mais adequada há que se despender tempo. Hoje o que muitos profissionais fazem, com o nome de projeto, nada mais é que um palpite, neste caso, sem dúvida, um jogo de azar. Na base do “seja o que Deus quiser”.

A informática que deveria ser vista como a boa ferramenta que é, tem sido usada, por pessoas menos avisadas, como uma arma de destruição do processo de pensar. O uso da informática, da forma como ocorre atualmente, é um dos fatores que descaracteriza o projetar como um processo, que requer o tempo necessário para que o pensamento criativo se instale. Se o uso inadequado da informática já causas graves danos ao projeto de arquitetura, no projeto de estrutura chegou-se ao nível da calamidade e do grotesco. O computador, ao contrário de ser usado como uma ferramenta que permita maior rapidez naquilo que não exige necessidade de pensar, ou seja, no fazer repetitivos e entediantes cálculos, é usado como o gerador da solução. Poucos usam essa máquina como ferramenta que, ágil, pode ser útil no processo de tentativa e erro, ou em outras palavras, no processo de aprimoramento dos resultados. A necessidade de se dar uma resposta urgente leva a aceitar a primeira resposta como a única.

Ah! Essa falsa urgência, desnecessária e irritante! Aceita-se qualquer resposta, em nome da velocidade. Uma urgência que vem no bojo da informática e que enterra as possibilidades humanas de intervir na busca da qualidade. A velocidade inumana da informática foi desgraçadamente incorporada à vida dos seus usuários e, sem qualquer crítica, mal entendida. Quem tem que ter velocidade é a máquina, não o ser humano, cuja velocidade em produzir coisas está de acordo com aquela necessária para garantir não só a qualidade do produto, mas também, e principalmente, a sua qualidade de vida. Velocidade adequada para que possa permitir ao ser humano, no devido tempo, progredir intelectualmente, e transmitir esse ganho a seus artefatos.

Dentro dessa falsa urgência, o projetar deixou de ser também diversão para ser apenas negócio. Enquanto, o desejável seria que importante fosse o que de fato você faz e não o que as pessoas pensam que você faz, nos negócios o importante é o que as pessoas pensam que você faz e não o que realmente você faz. O projeto visto como um simples negócio permite que, uma propaganda enganosa possa agregar valor àquilo que não tem e nunca terá.

Muitos profissionais, na ânsia de se posicionar economicamente perante a sociedade, tratam o compromisso de projetar como apenas comércio. Ou, talvez pior, quando a meta não for ganhar dinheiro, o fazer projeto torna-se uma maneira de mostrar um certo tipo de status, tal como “eu tenho um escritório com bastante trabalho, e você?” Atitude que o leva a aceitar qualquer remuneração e qualquer tipo de pressão nos prazos e resultados e, portanto, a executar estritamente uma tarefa, cujo resultado tem grandes chances de ser de má qualidade. Uma atitude errada, entretanto até compreensível em jovens, mas que se torna, naqueles com mais anos de estrada, uma violência. È óbvio que essa atitude, para os jovens profissionais, é um tiro no pé. Pois, passados os verdes anos, quando a razão pesar mais que a ação, ele poderá perceber que será tarde para rever o que se fez.

Quando observo uma bela obra feita por um Normann Foster, um Ove Arup, sempre sinto uma grande emoção. Só que depois da admiração, vem sempre uma certa depressão, uma sensação de incapacidade e de revolta. Revolta pela forma como os profissionais do dito terceiro mundo são levados ao imediatismo, ao “qualquer coisa serve”, pois há pressa no ar. Já em paises, ditos do primeiro mundo, um projeto leva anos para ser realizado, as equipes são compostas de centenas de profissionais, todos, muito bem remunerados. A empresa de projeto de estruturas Ove Arup, por exemplo, tem nos seus quadros, além dos profissionais imediatamente correlatos à sua área de atuação, outros, de áreas aparentemente não afins, como escultores e biólogos. Imagine como deve ser sensacional discutir um detalhe de estrutura com um escultor! No Brasil, uma idéia dessa é impensável, até para as grandes empresas, pois antes de tudo, há que se vencer preconceitos e se ter uma visão mais holística da realidade, que é onde se insere o projeto.

É urgente uma revolução de idéias que, sem a pretensão de querer mudar tudo de uma hora para outra, garanta o início de um processo de revisão cultural do valor do projetar e do planejar. Revolução não só na arquitetura e engenharia, mas também em outras áreas de atuação humana.

São, principalmente, os jovens profissionais a esperança e o meio, para que uma revolução de idéias ocorra. Um futuro mais digno para nossas profissões depende dessa vontade. Mas como incutir isso nos novos profissionais. Só vislumbro uma maneira: através do processo de ensino e aprendizagem nas escolas. Com incentivo ao pensar, respeitando o tempo próprio para isso. Sem a cobrança estafante das entregas urgentes. Basta ver as famosas “viradas noturnas” a que os alunos se dedicam nas fases de entrega de trabalhos escolares. Ninguém pensa, todos cumprem tarefas. Assim educados, reproduzem esse mesmo procedimento na vida profissional. Professores argumentam que os trabalhos que eles pedem para os alunos podem ser executados dentro da sala de aula, sem necessidade de horas extras. Pode até ser que sim, mas com que grau de crítica, raciocínio e experimentação? Nosso ensino ainda está muito voltado para “o cumprir o programa” em detrimento ao pensar e aprender. O grande engenheiro de estruturas, Eduardo Torroja dizia: “nas escolas há tanto para aprender que não sobra tempo para pensar”.

Talvez, você que esteja lendo este artigo tenha outras idéias para mudar essa situação miserável (em todos os sentidos) em que se colocou o divertido (criativo, alegre e bem reconhecido) jogo de projetar. Converse sobre o assunto com outros profissionais, pense em uma maneira de mudar a situação, para que os verdadeiros profissionais, e por que não, também os amadores, no melhor sentido da palavra (o que ama fazer o que faz), sejam reconhecidos e sua atividade de projetar finalmente valorizada.

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